27.3.16

O gosto do mesmo

                                                        E amar muito, quando permitido, deveria                                                                                                 modificar uma vida - reconheceu, compenetrado.

                                                                                               - CaioF - Saudades de Audrey Hepburn





Como um cigarro você me alimenta e me mata.
Apreciativo, libero o ar quente e o cheiro das cinzas que queimam - devagar e rápido no mesmo instante. Como um adolescente que fuma escondido dos pais você me leva e trás, me acende e apaga; me mostra e se esconde todos os dias.
E parece até que gosto assim, do gosto bom porém queimado - amargo no fim, quando novamente penso em alimentar meu vício, que não te comove e você colabora sustentá-lo - então me parece, mesmo que subentendidamente, que não está no fim.. Até que você me deixa, desesperada e consumida no que me viciei sozinha, agindo como se soubesse sustentá-lo.
Te confesso que não sei mesmo, só me desenho assim para acreditarem que sou forte e desligada dessas coisas banais; como afeto ou outras drogas.. Porém não sei acordar mais sem cogitá-las, sentindo que morro todos os dias para ver se você sente que aos poucos já não intensifico minha presença, apostando que uma hora esse cinzeiro não queimará nada dentro de mim.
Tu sentes?
Diz que sim, eu te desminto e quebro o clima e a mim - me arrependo de primeira quando chega outro maço de teus toques e cheiros; que me fazem não lavar mais as roupas em anseio de me perder no olfato que te guardo, quando molho tudo achando sempre que a água é suficiente para lavar os estragos dentro desse orquidário que é lotado, mas está sempre vazio. E nada torna-se limpo. Nem em meados de março ou no fim no ano, já me desequilibro dentro dessa ansiedade remota que talvez prosseguiremos juntos ou logo mais estarei sozinha, quem vai saber? 
Não esqueço de acender todas as variáveis quando você cochila profundamente sobre meus braços que se estendem a hora que você quiser; mesmo que dormente e cansado. Meu vício torna a roncar na boca do estômago se teus cabelos escrespam junto aos meus e eu preciso cerrar os olhos, respirar e repetir pra mim que agora está acontecendo e não dará pra gritar e fugir como foi ensaiado, fingindo que nada acontece pois não sei lidar com nada do que sinto. E o que sinto é tão mais indecifrável do que essas vibrações que acontecem todas as vezes que todos vão embora e as luzes se apagam, sobram instrumentos musicais, fios, sujeiras e nós - nada importa lá fora, não dá pra ver nada lá fora, meu bem, só aqui dentro, só aqui dentro.
Fico como um idoso a remoer memórias, quando volto a lembrar e já reconheço a dor que sempre acompanha o amor, toda vez que cogito a sua chegada.
E se talvez não fosse esse costume de me sabotar e afundar em possibilidades impossíveis; abrir o livro já planejando o fim de um conto horrível. Se talvez só por alguns instantes eu apreciasse aquilo e quem me faz bem, além de um momento, e não esse câncer que se forma,  de forma mascarada quando teus olhos de ameixas de natal me encaram e expurgam o mais verdadeiro dessa minha alma fatigada nessas noites que ficam mais e mais e mais frias... Se tudo isso não acontecesse em um milésimo de segundo, essa maré, poseidon de loucura e insegurança, de desejo, consumação e prazer - se nada disso acontecesse quando teu olhar me penetra, me impacta.. Eu acreditaria que não és só pra mim.
Mas já que nada disso acontece, eu me cubro de suas promessas que jamais serão cumpridas, dessas palavras tão reais que jogo no vácuo para não acreditar que é possível alguém querer-me tão intensamente como também quero - mesmo sabendo que assim que meus braços não estiverem mais segurando teu cabelo crespo e macio, mas sim, tocando o lado de fora - esse câncer.. Continuarei a precisar das cinzas, como um animal de rua se alimenta pela primeira vez - mesmo sabendo que irei retroceder nessa estrada de erros que não aprendi a lidar, porque já sei o final desse conto horrível que escrevi - mesmo assim: te mastigo dentro de mim como se não houvesse comida outra vez.                                                                          

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